Se há pressa, poesia rasa tende a ser a regra

Leonardo Triandopolis Vieira
3 min readApr 8, 2024
Foto de abi ismail na Unsplash

Numa era de instantaneidade e superficialidade, onde a pressa parece ser a regra e a profundidade, a exceção, é comum encontrar manifestações literárias que refletem essa falta de cuidado e reflexão. A poesia não está imune a esse fenômeno. Longe disso, ela muitas vezes é vítima de uma abordagem apressada e superficial que a empobrece e a torna ausente daquela essência que a caracteriza: a poíese.

Quando adentro o território de um poema, espero, no mínimo, vislumbrar um universo de significados e sensações radicais, onde é possível constatar que cada palavra/verso/estrofe foi cuidadosamente, penosamente, obrado para evocar reflexões e revelar emoções, nem sempre reconfortantes. Mesmo assim, há elementos que frequentemente poluem essa experiência, transformando o poema e o(a) próprio(a) poeta numa figura insossa, desprovida de profundidade e originalidade.

Um desses elementos é óbvio: a poesia sobre poesia. Embora não seja inerentemente condenável, quando mal executado, pode resultar (e isso acontece com uma frequência assustadora) em um autorreferencialismo vazio e narcisista. O(a) poeta que se perde em devaneios sobre a própria arte, sem mergulhar verdadeiramente na essência da experiência humana ou estética, acaba por alienar o leitor e esvaziar o significado de suas palavras.

Além disso, o uso excessivo e superficial das palavras “poeta”, “poesia” e “poema” dentro do próprio poema pode criar uma sensação de autoindulgência e falta de originalidade. É como se o(a) autor(a) tentasse constantemente reafirmar sua identidade como poeta, em vez de permitir que sua obra fale por si mesma. A repetição desses termos pode soar como um recurso fácil, uma tentativa desesperada de conferir profundidade a um texto que, na realidade, carece de substância.

Outro aspecto que considero são as rimas intercaladas, muitas vezes utilizadas de forma mecânica e previsível. Lógico, a rima pode enriquecer e trazer um aspecto melódico para um poema, mas, quando empregada de maneira superficial e desprovida de criatividade, apenas serve para reforçar uma sensação de artificialidade e falta de inspiração. O verdadeiro desafio do(a) poeta está em encontrar maneiras não óbvias de expressar seus sentimentos e ideias, indo além das convenções estabelecidas. E até além dele(a) mesmo(a).

Por fim, acho importante mencionar a recorrência nauseante dos temas sobre amor romântico, que, embora sejam lidos pelo senso comum como poderosos e universais, são, quase sempre, clichês e abordados de maneira banal e previsível. A poesia contemporânea muitas vezes parece presa a uma fórmula estereotipada de amor, negligenciando a complexidade e a diversidade das relações humanas. Oras, se o amor é um sentimento, é fato que, por ser um sentimento, não possui forma e nem cor. Então, por que tamanha limitação? É tacanho e, na minha leitura, o oposto daquilo que pode se constituir como arte.

Como bem disse Mallarmé, ecoado por Waly Salomão, a poesia é uma mercadoria diferente, cuja produção é lenta, é lenta. É preciso tempo, reflexão e um profundo compromisso com a arte para criar poesia que verdadeiramente ressoe com o leitor, que o transporte para além das superficialidades do cotidiano. O(a) poeta que se contenta com a mediocridade, que se entrega à pressa e à falta de autenticidade, está fadado(a) a produzir obras que não passam de sombras, destituídas de essência e substância.

Esticando um pouco, se você, quem me lê neste momento, entende-se por poeta e está em sua cabeça com o clichê “o que é poesia boa para você?” prontinho para disparar contra essa tela morta, apenas recomendo a maior escola de poesia que você pode frequentar, ontem, hoje e amanhã: leia a obra completa de Orides Fontela.

Eu me chamo Leonardo Triandopolis Vieira. Estou escritor e editor independente. Conheça meus trabalhos Clicando Aqui. Se gostou desse artigo, curta, comente e compartilhe.

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