O Mito da Arte Universal
O capitalismo globalizado, com o advento da web 2.0 (no início dos anos 2000) e as mídias sociais, (re)cria, não tenho dúvidas de que propositalmente, a falsa impressão de que as fronteiras parecem se estreitar e as culturas se entrelaçam em uma dança globalizada, ecoando algo que, para mim, não passa de um mito de raiz colonizadora e imperialista: a ideia de que existe uma arte universal. Uma noção vazia que, no máximo, ecoa uma presunção de que é plausível uma forma de expressão artística que “transcende” barreiras geográficas, culturais e sociais.
Porém, a produção da arte, em seus mais diversos contextos, desafia essa concepção de universalidade. Pois é fato, irrefutável, que tanto a obra quanto o artista estão intrinsecamente entrelaçados com: a) a sua identidade, b) o seu espaço (geográfico, social…) e c) o seu tempo. Essa tentativa de forçar a ideia de uma arte universal é como tentar aprisionar a vastidão do oceano em um único frasco. É uma empreitada fadada ao fracasso.
A arte é um reflexo da diversidade humana, aliás, não só humana, não mais humana, é um fruto de experiências, valores e perspectivas que variam de acordo com: a) a sua identidade, b) o seu espaço (geográfico, social…), c) o seu tempo e, a partir daqui, d) os seus signos e significantes.
Um livro aclamado em um canto do mundo pode não ser mais do que um murmúrio distante em outro. Um quadro que evoca emoções profundas em uma determinada cultura pode cair no vazio da incompreensão em outra. Cada produto da arte é como se fosse uma língua, carregada de nuances e significados que só podem ser completamente entendidos dentro de seu contexto cultural e social. Na mesma linha de constatação de Alejandro Jodorowsky, quando o mesmo diz algo como “Cada língua é um mundo. Aprender uma língua é penetrar em outro universo, com suas próprias leis, sua própria lógica e sua própria música”.
Logo, quando se proclama a existência de uma arte universal, o que realmente acontece é a negação da riqueza da diversidade cultural, social, política, geográfica e individual. É um ato de apagamento da identidade e da singularidade da obra e do artista.
É curioso notar que, na esmagadora maioria das vezes, obras ditas universais são provenientes de países originalmente imperialistas. Tal fenômeno evidencia uma dinâmica de poder na construção e disseminação da chamada “arte universal”, onde as obras de países originalmente colonizadores e/ou imperialistas são privilegiadas e promovidas como exemplares de uma suposta excelência artística. Mesmo quando uma obra não é originária desses contextos, é comum que ela se enquadre nos critérios estipulados e impostos por uma visão eurocentrista e/ou estadunidense da arte. Esse padrão reflete não apenas a influência cultural dominante dessas regiões, mas também a perpetuação de estruturas de poder que marginalizam e subalternizam outras formas de expressão artística, contribuindo assim para o apagamento da diversidade e sua singularidade cultural.
A arte é importante e necessária, não por “ser universal”, mas por seu poder de conectar e realizar intercâmbios entre diferentes mundos. É justamente na diversidade que é possível encontrar a verdadeira riqueza da experiência artística.
E o público desempenha um papel crucial na interpretação da arte. Pois, também, cada indivíduo traz suas próprias experiências, conhecimentos e perspectivas para a obra de arte, o que influencia sua interpretação. A arte é muitas vezes um diálogo entre a arte em si e o público, e cada público — dependendo de: a) a sua identidade, b) o seu espaço (geográfico, social…) e c) o seu tempo — pode ter uma leitura diferente da mesma obra.
A arte jamais será universal, é mito, porém, a arte está relacionada com a capacidade de nos transportar para além das fronteiras e nos conectar, de maneiras distintas, obviamente, com as infinitas possibilidades da imaginação e dos signos.
O resto é antropofagia.
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Eu me chamo Leonardo Triandopolis Vieira. Estou escritor e editor independente. Conheça meus trabalhos Clicando Aqui. Se gostou desse artigo, curta, comente e compartilhe.